quinta-feira, 5 de junho de 2008

O trânsito incurável.


As condições de tráfego em São Paulo chegaram a um limite insuportável. Em qualquer momento do dia e, às vezes, da noite, alguns trechos das vias paulistas atingem o ponto de saturação e se instala o engarrafamento. Seja pela quantidade de veículos, por limitações de fluxo provocadas por acidentes, obras públicas ou fenômenos meteorológicos exagerados.

Nestas horas os pobres engarrafados devem ter uma paciência de Jô. Para não estourar. Todos têm de desenvolver mecanismos de defesa contra o estresse no trânsito. Cantarolar, escutar música, declamar poemas do Júlio Salusse, tirar meleca do nariz ou simplesmente utilizar o período para colocar as idéias no lugar ou planejar o futuro. Fazer qualquer coisa que leve os pensamentos para bem longe do trânsito.

Hoje pela manhã, durante um destes episódios, me dei conta de que a participação constante em engarrafamentos cria uma condição insuportável que determina reações comportamentais semelhantes às descritas por Elizabeth Kübler-Ross, para a descoberta de doenças incuráveis. Sem a mesma medida ou comprometimento psicológico as pessoas passam pelas fases de: negação, raiva, barganha, depressão e, finalmente, aceitação.

A negação se manifesta por expectativas, nem sempre reais, de que o engarrafamento não vai demorar muito, de que o motivo está logo à frente ou de que existem caminhos alternativos para fugir do trânsito. Sem solução instala-se a raiva – de ter escolhido esta rota, dos outros motoristas que dirigem mal e contribuem para a piora do problema, dos espertinhos que criam alternativas não aceitáveis para os padrões éticos que ainda temos...

A raiva cede espaço à barganha. Os objetos e situações envolvidas nesta fase dependem do poder de negociação individual, da criatividade e de aspectos de religiosidade. Em nome do desaparecimento dos outros veículos, faz-se promessas de abandono de hábitos ou vícios (que podem incluir o acordar tarde ou fazer preguiça na cama), invoca-se santos nomes em vão e planeja-se mudanças de condutas nas atitudes para com parentes ou pessoas queridas.

A sensação de impotência frente a algo mais forte que a nossa vontade e a falência das fases anteriores permitem a instalação da depressão. Neste momento a gente se sente o último dos humanos. As culpas tomam contam dos pensamentos e até passa-se a ser merecedor desta punição. Devo ter feito algo para isto acontecer. A sensação de que aos ímpios foi reservado o trânsito caótico – nem sempre um castigo melhor do que o fogo dos infernos, pelo menos para o momento.


Aos resistentes sobra a passagem à fase final de resignação e aceitação. Afinal é apenas tempo o que se perde no trânsito visto que os compromissos já são agendados com, pelo menos três horas, de defasagem – para o deslocamento. Daí pode-se voltar aos mecanismos caseiros de controle – música, paquera no carro ao lado, criar estórias sobre o comportamento dos vizinhos de engarrafamento... e assim por diante.