domingo, 31 de agosto de 2008

O que arde cura, o que aperta segura.

Caro diário,

eu não sei se a intenção é de me intimidar ou fazer com que a minha voz permaneça calada, mas existem forças ocultas que estão espalhando difamações contra os meus escritos. Tiveram a ousadia de referir o meu texto anterior como calúnia explícita, sem oferecer subsídios para isto. Bem, não vou me preocupar com estas pequenas coisas. Já dizia o famoso filósofo Ibrahim Sued – os cães ladram e a caravana passa. Hoje quero registrar um fato deveras intrigante, trata-se mesmo de um mistério. Como alguém consegue vestir uma meia elástica? Vocês já devem ter deduzido, mas cabe ressaltar que a intrigante questão surgiu porque a amiga grávida, para evitar inchaços e dores nas pernas, teve a indicação médica de usar um objeto de tortura medieval, disfarçadamente camuflado de cuidado gestacional com a dilatação venosa de extremidades.

Não vou discorrer sobre os benefícios do referido instrumento senão narrar o transtorno causado à gestante. Para início de conversa, o objeto em questão foi vendido sem um suporte técnico à colocação, representado pelo oferecimento de, no mínimo, dois auxiliares para calçar as meias. De preferência com especialização na arte de preparar alimentos embutidos. Sim, nada mais parecido com o ato de vestir uma meia elástica do que o enchimento de uma lingüiça. É indispensável que todas aquelas carnes entrem naquele mísero invólucro. Imaginem tentar espremer as pernas para dentro da meia, sozinha. Nem pensar.

Por isso, a amiga teve de apelar ao querido esposo para ajudá-la com os trâmites. O que fez com que ele tivesse de ceder 45 minutos de sono para, ao som da Xuxa, empreender a tarefa do estica e puxa. E começou o primeiro round – meia elástica contra o casal 20 : até a batata da perna foi fácil. Passado este anteparo anatômico ele olhou a quantidade de pano disponível para o resto da empreitada e afirmou categoricamente, nem a pau Juvenal. Ela, porém insistiu, vai bem só mais um pouco. Sugeriu que ele se posicionasse por cima do tronco, na lateral esquerda da cabeça e que de um golpe só puxasse com toda a força. A meia nem bola, mas em compensação a hérnia inguinal dele deu sinais de vida, na hora. Por pouco não selaram ali mesmo o destino da filha única. Ele apelou para os conhecimentos de física e afirmou que pelo princípio de dilatação dos corpos é esperado que aquela coisa elástica se dilate o suficiente, quando colocada em um objeto maior que a circunferência da perna dela.

Nesta hora todo o cuidado é pouco na escolha do objeto. Se for pouco volumoso não vai adiantar de nada e se for muito volumoso pode causar uma impressão desagradável e comprometedora na esposa, que já está deprimida por não conseguir vestir uma simples meia elástica. Eureka, por que eles não pensaram antes, a solução estava bem diante deles. Eles colocariam aquele troço bem esticado, entre duas poltronas, e ela pularia dentro. Em menos de cinco segundos ela estava com a meia. Apesar da sensação de ter caído no espremedor de batatas, ela estava pronta para mais um dia de trabalho. Completou as tarefas matinais e já se preparava para sair quando sentiu uma sensação conhecida na bexiga. Não, não era possível.

A descrição dos eventos seguintes é impublicável. Quem passa pela rua deles deve estranhar aquele objeto, parecido com uma meia elástica, pendurado como um tênis de adolescente no fio de eletricidade.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Enxoval do bebê.

Querido diário,

Há algumas semanas, minha amiga grávida tornou pública a primeira escolha de roupinha para o nenê. Confesso que fiquei sem ação. Realmente pasmo. Sei que uma das preocupações fúteis da gestação é com a indumentária dos herdeiros. A referência à futilidade não é um demérito, senão uma distinção para com as preocupações mais sérias como a saúde e desenvolvimento do novo serzinho, que norteiam todo o período, até o parto. A relativa falta de importância não impede que a tarefa seja cumprida com prazer e capricho.

Por isso entendo o desvelo e a preocupação com a compra de camisinhas-pagão, tip-tops, vestidos, calças, camisas, fraldas, cueiros, culotes e demais trajes que compõem um enxoval infantil. Sem esquecer os apetrechos de banho e tosa, quer dizer banho, higiene, berço e outros mais. Ah, a doce satisfação de ter em mãos o primeiro macacãozinho ou par de luvinhas. A roupinha do meu bebê, que frase pungente. Bem, não foi bem isto que eu presencie.

Não dá para classificar de exagero. Mas também não classificaria de comum a escolha de um sobretudo infantil verde lima-jade médio, da Dolce&Gabbana. Compra na internet. Sim amigos a primeira roupinha foi um pequeno overcoat verde, devidamente disponível em catálogo. Tenho certeza que a pequena estrela ficará muito bem no traje, mas me assustou um pouco a escolha. Talvez eu seja antiquado. Ainda raciocino com cueiros e fraldas, não descartáveis. Por isso o impressionante da peça, para mim. As mães e familiares modernos devem curtir muito. É acho que vou ter de fazer um curso de reciclagem para avô, senão vou me sobressaltar muito.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Ainda não temos episódios.

Aguardem mais um pouco para a estréia, em grande estilo, do Diário de uma gestação. Afirmo, categoricamente, que serão capítulos emocionantes. E muito divertidos. Por enquanto refreiem a vossa curiosidade e relaxem. Sem o complemento chulo da ministra. Chega de gestações.

A escolha deste espaço para a publicação dos capítulos deve-se a própria proposta do blog – apresentar uma parte da coisa. Deixo para os leitores ou para os envolvidos a oportunidade de descreverem, em comentários ou em posts, que publicarei com gosto, as vossas versões. Senão permanecerá apenas a minha parte da coisa.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

O trânsito incurável.


As condições de tráfego em São Paulo chegaram a um limite insuportável. Em qualquer momento do dia e, às vezes, da noite, alguns trechos das vias paulistas atingem o ponto de saturação e se instala o engarrafamento. Seja pela quantidade de veículos, por limitações de fluxo provocadas por acidentes, obras públicas ou fenômenos meteorológicos exagerados.

Nestas horas os pobres engarrafados devem ter uma paciência de Jô. Para não estourar. Todos têm de desenvolver mecanismos de defesa contra o estresse no trânsito. Cantarolar, escutar música, declamar poemas do Júlio Salusse, tirar meleca do nariz ou simplesmente utilizar o período para colocar as idéias no lugar ou planejar o futuro. Fazer qualquer coisa que leve os pensamentos para bem longe do trânsito.

Hoje pela manhã, durante um destes episódios, me dei conta de que a participação constante em engarrafamentos cria uma condição insuportável que determina reações comportamentais semelhantes às descritas por Elizabeth Kübler-Ross, para a descoberta de doenças incuráveis. Sem a mesma medida ou comprometimento psicológico as pessoas passam pelas fases de: negação, raiva, barganha, depressão e, finalmente, aceitação.

A negação se manifesta por expectativas, nem sempre reais, de que o engarrafamento não vai demorar muito, de que o motivo está logo à frente ou de que existem caminhos alternativos para fugir do trânsito. Sem solução instala-se a raiva – de ter escolhido esta rota, dos outros motoristas que dirigem mal e contribuem para a piora do problema, dos espertinhos que criam alternativas não aceitáveis para os padrões éticos que ainda temos...

A raiva cede espaço à barganha. Os objetos e situações envolvidas nesta fase dependem do poder de negociação individual, da criatividade e de aspectos de religiosidade. Em nome do desaparecimento dos outros veículos, faz-se promessas de abandono de hábitos ou vícios (que podem incluir o acordar tarde ou fazer preguiça na cama), invoca-se santos nomes em vão e planeja-se mudanças de condutas nas atitudes para com parentes ou pessoas queridas.

A sensação de impotência frente a algo mais forte que a nossa vontade e a falência das fases anteriores permitem a instalação da depressão. Neste momento a gente se sente o último dos humanos. As culpas tomam contam dos pensamentos e até passa-se a ser merecedor desta punição. Devo ter feito algo para isto acontecer. A sensação de que aos ímpios foi reservado o trânsito caótico – nem sempre um castigo melhor do que o fogo dos infernos, pelo menos para o momento.


Aos resistentes sobra a passagem à fase final de resignação e aceitação. Afinal é apenas tempo o que se perde no trânsito visto que os compromissos já são agendados com, pelo menos três horas, de defasagem – para o deslocamento. Daí pode-se voltar aos mecanismos caseiros de controle – música, paquera no carro ao lado, criar estórias sobre o comportamento dos vizinhos de engarrafamento... e assim por diante.

domingo, 13 de abril de 2008

Lamento olímpico.

A aposta de sete anos atrás não esta sendo correspondida pela China atual. A escolha de um país emergente, nas mais diversas acepções deste termo, para sede dos Jogos Olímpicos poderia ter sido um sucesso. A esperança era de que o espaço de tempo entre a escolha de Pequim e o início das comemorações servisse para o estabelecimento de uma democracia. Desta forma, o surgimento de uma potência econômica e democrática seria comemorado com maior evento esportivo do planeta.

Entretanto, a oportunidade de se mostrar ao mundo como uma nação grandiosa, e não apenas grande, está desmoronando. As demonstrações de truculência e intolerância são cada vez mais freqüentes. Não é permitido discordar das diretrizes. A convivência com as diferenças, tão participativa do ideal olímpico, não é tolerada. Os anéis olímpicos, símbolos da união, transformam-se em grilhões para os oponentes do regime. O lema olímpico “mais rápido, mais alto e mais forte” assume uma distorção peculiar favorecendo apenas os aspectos econômicos.

Seria, então, uma decisão sábia suspender a realização dos Jogos Olímpicos? Difícil responder de uma maneira simples a uma questão tão complexa. As manifestações contra as atitudes do governo chinês podem ser vistas e sentidas, por alguns, no percurso da tocha olímpica. E a cada acontecimento, os sinais de intolerância, vindos de Pequim, são mais enfáticos. Os dirigentes chineses pretendem, ardentemente, mostrar ao mundo o grau de civilização alcançado pelo país. Nenhuma questão menor, seja ética, social ou política contrária, vai desfazer este sonho.

O desejo é de que o mundo aprecie as demonstrações de organização, hospitalidade e competência dos chineses a despeito dos métodos empregados na obtenção de tais resultados. A lógica oriental indica que o sucesso e admiração no campo econômico, no qual os aspectos ideológicos e humanitários foram sobrepujados, poderia ser transposto para o evento esportivo, como estratégia de relações-públicas.

Encerrados os Jogos a China apareceria aos olhos do mundo como um país moderno. E a modernidade sobrepujaria a justiça. Pena que faltou combinar com os oponentes e os tibetanos. E, talvez com o resto do mundo politicamente correto.

domingo, 30 de março de 2008

A dona de casa que deu certo.

Lendo hoje o post-inveja do Chrises, sobre Martha Stewart, eu tenho de tirar o chapéu para esta senhora. No quesito sucesso estrondoso ela realmente é digna de inveja. Independente dos outros pecados capitais associado à distinta dama, cabe rever os pontos que influenciaram nesta escalada meteórica.

O primeiro ponto está diretamente ligado a uma capacidade de observação inquestionável – ela reinventou a roda. Num pretenso momento de negação das tarefas do lar, ela mostrou ao mundo que a grande maioria das mulheres gosta do seu papel de dona de casa. Não escrava do lar, do marido ou de filhos. Dona de casa. Proprietária de uma série de itens, objetos, equipamentos e receitas culinárias que proporcionem a satisfação instintiva dos sonhos da mulher perfeita. Para as novas estrelas do lar a realização culinária, a escolha de alimentos, badulaques e enfeites permanecem associados a uma satisfação imensa.

O segundo ponto foi levar a função de dona de casa a um patamar executivo, aproximando os afazeres domésticos às habilidades desenvolvidas no mercado de trabalho. As donas de casa passam a lidar com sistemas sofisticados de ingredientes, combinações de texturas, sabores e apresentação dos pratos dignos de qualquer processo empresarial que se preze. Além do mais para se manterem atualizadas necessitam criar uma poderosa rede de informações sobre o que, como, onde, para que e a que custo. A inteligência de mercado tomando conta das tarefas domésticas.

O terceiro ponto é sem dúvida a farta utilização dos meios de divulgação, um misto de modernidade com tradição, passeando de colunas sindicalizadas, programas de televisão, livros e conselhos na internet. Sem esquecer dos atualíssimos meios de venda eletrônica. Isto cria uma percepção no público de que a coisa foi feita para ele, para o seu jeito de ser mesmo que uma superficial análise mercadológica reconheça a presença de mil e uma maneiras de acessar a informação. A existência de uma maneira especial para cada uma faz toda a diferença.

O último ponto reflete a escolha, pela diversidade de atuações possíveis ligadas ao exercício das tarefas de casa. A atividade, antes encarada como única e indivisível, é apresentada em suas diversas facetas. Para umas a cozinha, para outras a sala, ou quarto ou lavanderia. Você decide, há gosto para todas e tudo. Com ênfase na possibilidade de exercer algumas das funções de dona de casa sem a obrigação de se escravizar ou realizar todas. Assim é possível ser uma especialista em algum segmento deste vasto mundo, sem a necessidade de ficar com o umbigo encostado no fogão, no tanque ou em qualquer outro lugar desagradável.

É, amigas, o mundo dá muitas voltas, mas o sonho da dona de casa permanece inabalável.

PS – acesse a terceira parte.

quarta-feira, 19 de março de 2008

O pundonor nacional.

Nos Estados Unidos, a renúncia do governador de Nova Iorque, expôs enfaticamente o pudor americano. A questão de como o dinheiro foi gasto e a cadeia de prostituição, por trás da coisa, tornaram-se mais importante do que a fonte do dinheiro gasto. O deslize pessoal assume importância maior do que as relações financeiras escusas.

Já no país do carnaval a vadiagem tem várias facetas. A farra com o dinheiro público financia estas questões e muitas outras. As outras estão, vagarosamente, aparecendo – compras em free shops, pamonhas e demais despesas miúdas. Esta ainda não apareceu, mas não tarda. Se houvesse uma maneira de rastrear o dinheiro retirado com cartões corporativos, não se estranharia nem um pouco que uma parte dele fosse parar em negócios administrados por amigas da “Kristen”. Ah, a lascívia tropical.

Lá os políticos costumam se desculpar publicamente por ter “violado o compromisso com a família”. Aqui, nenhum daqueles já apanhados no pulo ou por serem apanhados, jamais veio em público pedir desculpas por terem “violado o compromisso com o povo”. Todos são vítimas de um complô da oposição e, por serviços prestados, sabem-se lá quais, adquirem o direito a elogios presidenciais, na despedida.

É, existem democracias e DEMOCRACIAS.